segunda-feira, fevereiro 16, 2004

O nosso projecto nacional não anda e demora a aparecer alguém com a coragem clarividente de dizer, chega de pirísmos, chega de sermos governados por parolos, no estado, nas televisões e nos jornais. O nosso mal já vem de longe, muito longe quando a camada social portuguesa mais esclarecida e civilizada, se demitiu de seu papel social por falta de "pachorra" para aturar o baixo nível da discussão pública que se instalou em Portugal, refugiou-se de um ambiente hostil, agressivo e infeliz que caracteriza cada vez mais a sociedade portuguesa. As decisões são tomadas sem qualquer noção de continuidade histórica, tanto relativamente ao passado como ao futuro. Quem não respeita a história de hoje, age, sem pudor dos julgamentos de amanhã, é a desresponsabilização, a irresponsabilidade tornada norma. Vamos começar pelo centro dos nossos males como sociedade ineficiente, a Educação. Muito se fala, muito se discute, muito se concorda que a educação está mal, mas a meu ver nada ou muito pouco se faz para resolver de forma racional e coerente. Falta aqui a coragem de arriscar a vitória numas eleições em prol do bem maior. O sistema de ensino em Portugal mais visado nas atenções e simultaneamente mais de meios dotado para resolver seus problemas é exactamente o que funciona menos mal, em relação aos nossos parceiros, o ensino superior. Tem sido assim porque o ensino superior é o único com uma relação directa nos votos, a totalidade do sistema, tirando um ou outro aluno do 1ºano vota, enquanto nos restantes, só os professores e funcionários têm expressão eleitoral. São muitos votos por um lado e muito poucos por outro e como a valorização do saber nunca foi muito prática corrente em Portugal, é muito mais importante ser primo deste ou daquele, ser deste ou daquele partido.A Escola tal como tem sido encarada só tem ajudado a sedimentar na população em geral essa noção de inutilidade, facilmente substituível por outra forma de actividade. O ensino em Portugal está a ser visto de pernas para o ar, há anos, terá de se criar a consciência de que para o sucesso do sistema educativo nacional a Primária é mais importante do que o Ciclo, que é mais importante do que o Secundário, que por sua vez é mais importante do que o Superior. Um mau professor no Superior lesa o país em "10" um mau professor Primário lesa em "100". Um aluno no ensino Superior que apanhe um pior professor, ou piores equipamentos escolares, a principal consequência será a de ter mais trabalho, terá de fazer mais pesquisa, terá de compensar com mais estudo, demorará algum tempo mais a chegar lá...enfim é um adulto que pode repudiar a má prestação do seu professor e procurar compensações noutros professores, ou em vias alternativas como fonte de informação ou estrutura física de trabalho. Quando um aluno da primária apanha um professor pior e se isso lhe acontecer, provavelmente sê-lo-à durante 4 ou 5 anos...., exactamente os 4 ou 5 primeiros anos do seu percurso escolar, onde o que lhe acontecer nestes anos em termos de experiência com o estudo, com a satisfação da curiosidade pessoal e a gratificação do saber e do conseguir, poderá essa vivência a marcar a diferença, entre o país amanhã, ter mais um trolha, ou mais um cientista. Falar de qualidade ensino não é só falar de bons ou maus docentes falar de qualidade é falar das condições gerais de um sistema em que os docentes não têm mais do que um papel no sistema e não os docentes serem a própria qualificação do sistema. Como é possível escolas primárias com dezenas de alunos serem às dezenas, nos nossos concelhos, como é possível o estado se ter demitido da sua função de fornecedor de um sistema educativo completo nomeadamente na vertente desportiva, o clubismo em Portugal, o terceiro mundismo dos estádios não serão consequência disso? As escolas têm de ser pensadas e estruturadas por forma a poderem garantir uma formação completa e não parcial dos portugueses. A nossa pequenez não têm de ser um problema para tudo, em certas áreas poderia até ser uma vantagem, não temos os problemas das macro metrópoles dos grandes, poderíamos ter todo o sistema a funcionar com condições, com espaço. Porquê insistir em modelos que já não faziam sentido há décadas atrás, porquê o estado português continua a insistir que é mais importante para um aluno demorar 10 minutos de casa à escola do que ter na escola biblioteca, laboratórios, campo de jogos, piscinas etc. Seria uma demonstração de coragem e lucidez elaborar o manual das condições mínimas para funcionamento de uma escola em território nacional, número mínimo e número máximo de alunos, equipamento mínimo, segurança mínima..... Caso a realização deste manual obedece-se somente à lógica do interesse na educação quantos escolas estariam hoje em condições de se manterem abertas?

16/02/2004